Mocofava do Cazuza

Oito horas da noite, eu e mais dois camaradas estávamos andando pela Brasilândia. Nas ruas escuras e num bairro em que não conhecíamos; o silêncio reinava e só era interrompido por algumas reclamações minhas do tipo “Onde que a gente tá?” ou “Acho que errei o caminho.” Após alguns minutos de caminhada, meu nariz percebe alguma coisa. É um cheiro de comida, mas eu nunca havia sentido aquilo. Todos se entreolham e seguiram correndo para onde o cheiro apontava. Estávamos, finalmente, no Mocofava do Cazuza.

O nome travalinguístico do lugar me deixou bastante curioso. Eu não fazia a mínima ideia do que diabos era uma mocofava e me senti totalmente atraído pelo título deste estabelecimento, que me proporcionaria uma nova experiência de rango. Poderia ser uma desgraça, poderia ser uma delícia, eu não sabia. Mas queria muito descobrir.

Ao entrar no restaurante, estávamos numa atmosfera sensorial de nordeste. O cheiros das carnes, o calor, o sotaque dos atendentes. A novidade era muita e acabamos meio confusos sobre o que fazer. Colocamos as bolsas nas mesas, trocamos ideias com os garçons, pedimos a tal da Mocofava. Acompanhada de pão, o prato é um mix de carneseca, fava (uma espécie de feijão nordestino), linguiça e caldo de mocotó; além de salsinha e cebolinha. A mistura, servida numa cumbuquinha, parecia uma sopinha a priori. Quando enfiei a colher no prato e senti a viscosidade do caldo, que envolvia todos os ingredientes, a leveza aparente do prato já tinha ido por água abaixo. Nesse mesmo momento, descobri quem comandava o cheiro que vinha lá de fora: cominho. A especiaria tomou, de súbito, o meu nariz e agora tudo fazia sentido.

Quando mergulhei de cabeça no mar sertanejo da mocofava do Cazuza, provei nas papilas gustativas uma deliciosa linguiça calabresa, alguns pedaços de carne-seca e também grandes favas (deliciosamente macias). Apesar disso, percebe-se que o ingrediente mais forte e mais vistoso do prato é o caldo de mocotó, que reúne todos os imersos e torna a combinação não somente possível, mas essencialmente nordestina e única.

Após eu devorar cada um dos ingredientes com fome e com a devida atenção, me surpreendi com a sensação de sustância que a iguaria me deu. Talvez pelo peso de seus ingredientes, o rango consegue sustentar qualquer um por um bom tempo. E o preço é justo: 12 mangos na mocofava pequena (a que comi) e 20 na mocofava grande, que dá pra rachar. A experiência gastronômica que tive no restaurante foi o meu primeiro contato com uma comida essencialmente nordestina. Os sabores que permeavam minha boca naquele restaurante me levaram direto daqui para o sertão do Brasil… Pra uma primeira vez, acho que valeu a pena se enrolar falando “Mocofava do Cazuza” e indo pra Cachoeirinha, no fundão da Zona Norte, pra experimentar as delícias que o restaurante nos serve.

Bar do Ari e Miriam

Atualização em junho/2020: Este lugar está fechado temporariamente devido à pandemia de COVID-19.

Desde criança, o alviverde imponente sempre foi minha paixão – e isso não largo de jeito nenhum. Num certo domingo, como torcedor assíduo, decidi ver o jogo fora de casa. Palmeiras e Fluminense, quatro horas da tarde. O local escolhido foi o famoso Bar do Ari e Miriam, um curioso lugar no bairro do Tremembé, Zona Norte de São Paulo.

Antes de tudo, preciso contar o que é o estabelecimento: fundado há 10 anos pelos sócios que dão nome ao boteco, é um ponto de encontro de toda a galera da região da Av. Cel. Sezefredo Fagundes e da Av. Mário Pernambuco. Bem, a pergunta que não quer calar é por que diabos ele se diferencia de qualquer outro “Bar & Lanches” da região? Então, o Ari é palmeirense. A Miriam, corintiana. São casados há 24 anos. Quando precisaram – e quiseram – abrir um negócio próprio, observaram a rivalidade e resolveram abrir um estabelecimento que unisse a Barra Funda com Itaquera. Surgiu assim o único bar de São Paulo que junta alvinegros e alviverdes.

Quando me sentei na mesa do boteco, o Ari Filho logo se apresentou e perguntou o que eu queria. Com uma camisa da Mancha Verde, já pudemos ver que o membro mais novo da família puxou o pai. Pedi um litrão e uma recomendação de rango. A porpeta foi a escolha. Alguns minutos depois, bola rolando! O Felipe, que é o garçom oficial do bar e são-paulino, me traz uma gelada e avisa que o belisco já está chegando.

Quando a porpeta aterrissou na minha mesa, reparei que as mesas eram divididas entre fotos da Gaviões da Fiel e da Mancha Alviverde. Os adornos e penduricalhos em todo o bar eram de ambos os clubes e os uniformes de cada um dos donos era bordado com seu time do coração. O salgado veio num pratinho acompanhado de um vinagrete, com uma deliciosa cebola roxa. Fatiadinho em quatro pedaços, pra dividir com os amigos, a receita da Rosa, pilota da cozinha do bar, tem uma casquinha crocante e de-li-ci-osa, além da carne no meio estar bem rosadinha, estilo “no ponto”, do jeito que eu curto. Se você der uma temperadinha no miolinho da porpeta com o molhinho, vai ficar difícil prestar atenção no jogo.

Enquanto todos estavam de olhos grudados no jogo, comecei a observar as pessoas que ficavam de olhos grudados na TV: crianças, mulheres, adolescentes, velhos: todo tipo de gente estava ali. Gente com camisa do Corinthians, do Santos, do Palmeiras, é claro, e do São Paulo. As mesas iam até a calçada do outro lado da rua e vários pais estavam brincando com seus filhos na rua em que raramente carros passavam – e, se passavam, paravam no bar para ver o jogo ou comer alguma coisa. Uma boa parte da galera mandava pra dentro a porção de frango à passarinho que sai aproximadamente 9 mangos por pessoa e serve até 5 fanáticos por futebol.

Esse clima de convivência e de paz entre as torcidas é na verdade um reflexo de grande parte das famílias paulistas, divididas em tricolores, alviverdes e alvinegros que se amam muito além das rivalidades. E é por isso que o Bar do Ari e Miriam acaba por unir as famílias e se torna esse ambiente tão gostoso para os moradores da Zona Norte.

 

Casa da Árvore – Bar e Cultura

Atualização em junho/2020: Este lugar está fechado temporariamente devido à pandemia de COVID-19.

“Casa humilde de maderite/Mansão e os grafite/Tudo misturado/ Isso é Piritubacity!”. Essa música do Pollo, que estourou em 2011, era a única referência que eu tinha a respeito do bairro, localizado entre a zona Norte e a zona Oeste, antes do jornalismo me fazer atravessar a cidade e pegar pela primeira vez a Linha 7 – Rubi da CPTM para conhecer a Casa da Árvore, em Pirituba.

A primeira impressão do jornalista que vinha de longe era de que estava chegando na casa de um amigo. O climão leve e descontraído era ditado pela trilha que ia de Emicida a Planet Hemp e pela decoração viva e urbana, a começar pelo grande muro grafitado, com suas formas e cores saltando aos olhos e às lentes da minha câmera. Não podia esquecer que ainda era o jornalista e fotógrafo que vinha de longe para fazer um trabalho naquele lugar. E que lugar grande! Ao contrário de uma casa de árvore, espaço era o que não faltava ali.

Os três ambientes confortáveis já viram dias mais decrépitos. Quando Marcelo Mota, dono do pico, abriu o negócio em outubro de 2015, o lugar estava abandonado e esquecido. Com a ajuda de amigos, ele transformou a Casa da Árvore em um espaço onde poderiam ter uma comida boa e um ambiente cultural para confraternizar perto de casa. Deu tão certo que muita gente das redondezas e de fora passou a frequentar a casa, que ainda contará com duas pistas de skate gratuitas e um estúdio de música, que estão em construção. Enquanto o estúdio não fica pronto, o palco da área externa segura bem a parte musical, que recebe artistas de quebradas dos mais diversos estilos, todos os dias, valorizando ainda mais a cultura periférica.

Indo para o cardápio; o jornalista, fotógrafo e especialista em gastronomia que vinha de longe precisava provar e avaliar tecnicamente algumas das receitas principais da casa. Dentre lanches, porções e pratos propriamente ditos, fui na clássica combinação hambúrguer e Coca-Cola. Os hambúrgueres de 110g e 220g não trazem toda aquela firula gourmet das hamburguerias artesanais, apesar de serem preparados lá mesmo. Ainda bem, pois isso não combinaria com o clima. O que chega à mesa é um hambúrguer no ponto, macio, muito bem temperado e suculento, com acompanhamentos que cumprem o seu papel, complementando perfeitamente o sabor. Roots, extremamente honesto e apetitoso, é daqueles lanches que dá vontade de cair de boca sem garfo, faca ou cerimônia, como fazemos entre amigos.

O jornalista, fotógrafo e especialista em gastronomia que vinha de longe saiu de lá se sentindo apenas Guilherme e não vê a hora de levar os amigos para atravessarem a cidade e se sentirem em casa também.

Paraíso da Cachaça

Encontrar o Paraíso da Cachaça não é uma missão muito difícil. Ao caminhar pela Avenida Direitos Humanos, na região do Lauzane Paulista, você pode ver, à distância, mesas na calçada, gente tatuada, maços de cigarro nas mesas, cerveja, jovens e velhos barbados. Conforme vai rolando uma aproximação, não terá certeza se realmente está na Zona Norte de São Paulo ou em plena Califórnia, num bar de motoqueiros dos anos 60. A trilha sonora é composta pelo rock ‘n’ roll e o burburinho de seus frequentadores na calçada da rua.

Como as poucas mesas dentro do bar estão sempre cheias, você terá de sentar lá fora: a música não é alta, dá pra conversar em bom tom, sem precisar gritar, exceto quando você for chamar o garçom: o único cara que fica atendendo a galera é muito gente fina, mas precisa cuidar de muitas mesas, portanto, pra chamar o mestre, você vai ter que elevar a voz.

O mestre Bola irá lhe dar algumas recomendações de cervejas: realmente, a carta da casa é bastante variada, com brejas nacionais, holandesas, inglesas, alemãs… Você pode encontrar Lagers, Weisses, IPAs e Pilsens geladas e muito saborosas. Comparativamente, os preços são mais justos do que os encontrados em qualquer bar descolado no centro da capital.

Para forrar o estômago, o bolinho de carne é uma delicia. Além de combinar muito com as brejas, vem sempre quentinho. A carne é temperada com cheiro verde, sal, cebola e pimenta do reino. A massa é bem macia e a casquinha bem crocante… O preço fica em 4 mangos. E, segundo o Carlão, dono do bar, a receita é de sua vó, que só entregou o passo a passo para ele. Não adianta insistir, você não vai conseguir a receita.

Se você não estiver a fim de beber uma breja e prefere um drink, a especialidade da casa é a gengibrina. Feita com cachaça artesanal e raspas de gengibre (o resto da receita é segredo de estado!), ela é servida trincando de gelada e esquenta a alma de qualquer um que prová-la. Para experimentar a deliciosa bebida, você paga apenas 6 dinheiros em um copo americano de 300ml e 3 reais num “shot”.

Pra combinar com a bebida de raiz, a dica é que você peça uma porção de bolinho de carne seca, desenvolvido por Carlão, em busca de uma variedade maior para os salgados do seu estabelecimento. “Curtimos inovar”, resume minimalista.

“Venho aqui pra experimentar as cachaças, tem (envelhecida no) carvalho, (na) umburana… Cada coisa”, diz Daniel, frequentador assíduo do estabelecimento e dono de um lava-rápido da região. Sem barba, jaqueta de couro ou óculos aviador, ele conta: “Fui no Rock in Rio 1991, eu curto rock, Guns, Metallica, tá ligado?”. Conhecer o Carlão, o Bola e pessoas novas faz parte do rolê. E não se pode ir lá somente para os drinks deliciosos ou pros rangos diferenciados, mas também pela experiência rústica de colar na casa mais pauleira da Zona Norte.

Ô Pastel – O legítimo pastel de feira

Ei, você! Você mesmo, que está de passagem agora pelo Terminal João Dias, não passe tão rápido. Sei que está com pressa, mas juro que por trás desse aglomerado caótico de ônibus, metrôs, carros, gente e churrasco de rua existe um lugar em que vai fazer você querer ficar ali, observando tudo de longe por horas. Tá vendo aquele monte de comércio bem atrás da enorme Parada Itapaiúna? Observe um espaço grande, que lembra uma garagem. Ali dentro dá para perceber uma barraquinha vermelha de pastel. Pode entrar, que você não vai se arrepender. Provavelmente quem vai te recepcionar é a dona Sueli, a simpática e hospitaleira dona que abriu a Pastelaria Bem Legal há dois anos. Diz ela que não sabia absolutamente nada de pastel antes do empreendimento, mas você não vai acreditar nisso, quando provar alguma das 40 variedades de sabores servidos nesse paraíso pasteleiro.

Deslize os olhos pelas placas com sabores e deixe sua intuição te guiar na escolha, mas vou te dar a dica: os de pizza, carne e frango com Catupiry são os que fazem mais sucesso. Eles são muuuito bem recheados. E tem mais: a Sueli, criativa que é, teve a ideia de criar molhos que acompanhassem os pasteis, indo além do clássico vinagrete. Se liga: alho, alho e salsa, cebola e salsa, cebola e orégano, saladinha, apimentado e tomate – todos desenvolvidos especialmente para combinar com cada um dos sabores do cardápio. Isso é que é harmonização! O difícil vai ser escolher um só porque, acredite, você vai querer comer os molhos de colher.

Não bastasse todo esse dilema entre os pasteis salgados, os doces vão vir para complicar ainda mais sua a cabeça. Pense no seu chocolate favorito. Em seguida, coloque ele numa massa de pastel e frite. Já está delirando? Além dos tradicionais Romeu e Julieta, chocolate e as suas combinações com morango ou banana, você vai poder escolher entre pasteis de marcas famosas como Diamante Negro, Laka, Shot e Sensação. Onde mais você já viu algo parecido? No de Diamante Negro dá até para sentir os cristais crocantes no meio do chocolate derretido. Mas olha, mais uma dica, dessa vez da própria Sueli: o que ela mais gosta entre os sabores açucarados é o de doce de leite. Pode pedir ele coberto no açúcar com canela, sem medo. Para acompanhar tudo isso, um caldinho de cana é a melhor escolha. Você ainda pode pedir uns salgados ou então algum dos mais maravilhosos caldos quentes da cidade. Tem caldo verde, de costela com mandioca, mocotó, feijão com calabresa ou carne seca, mandioquinha com frango ou carne seca, piranha e sururu. Porque só fazer o melhor pastel da região não é o suficiente para a Sueli, não é mesmo?

E aí, valeu a pena conselho, né? Na verdade, se você seguiu ele direitinho, com certeza já deve estar até pensando na próxima visita e ficando em dúvida no próximo sabor que vai experimentar.

Atualização em 11/06/2020: A Sueli reformulou algumas ideias pro negócio, mudou de nome e de endereço e abriu o “Ô Pastel – O legítimo pastel de feira”, na mesma região! Ele fica na rua José Barros Magaldi, 23 – Jd São João 🙂

Ville Japan

Eu seguia cotidianamente pela Av. Sadamu Inoue, a principal via que liga o extremo sul da capital com o resto da cidade, quando vi uma série de placas vermelhas com formato de peixe e os dizeres “restaurante japonês”. Deixei meu coração ser guiado pelas setas que as placas traziam e desviei do caminho principal, entrando em uma ruazinha desconhecida. Ao entrar no Ville Japan, a impressão era de que eu acabara de atravessar um portal com poder de abrir um buraco na terra e transportar as pessoas para o outro lado do mundo. Poucos passos foram dados e, de repente, eu estava imerso em um mundo mágico e leve, composto por karaokê e peixe cru.

O criador desse mundo é o chef Marcos Naka, que há seis anos abriu o restaurante no espaço onde antes era apenas sua casa. As placas de peixe são porque, segundo o próprio, ele “sempre entendeu muito de marketing”. O mais legal é que o Marcos não só idealizou tudo isso como também é o responsável pela construção da parada. Todos os elementos de madeira que compõem a decoração do lugar foram feitos por ele, que utiliza caixas de bacalhau reaproveitadas. Segundo o chef, as caixas são reforçadas para aguentar os impactos das viagens marítimas, o que resulta em um material de ótima qualidade para se transformar em figuras de peixes, crustáceos, dragões e samurais.

Um dos pratos mais vendidos no Ville Japan é o temaki, apresentado no cardápio nos tamanhos pequeno (R$ 9), normal (foto, R$ 19) e mega (R$ 25), mas mesmo o normal já é maior que todos os temakis que vi na cidade. Outro clássico, o yakissoba aparece em oito variedades, incluindo o inusitado Sabor do Nordeste. Ele foi criado após um pedreiro amigo do Marcos lançar o desafio: “No dia em que você fizer um prato com ingredientes do Nordeste, incluindo quiabo, eu como a sua comida”. Desafio aceito, nasceu o yakissoba que, além da tradicional massa com legumes, acompanha finas fatias de quiabo, tiras macias de filé mignon, linguiça (bem) apimentada, bacon, camarão e um ovo frito por cima (!!!). E não é que a mistura funciona? A porção média custa R$ 45 e alimenta muito bem 2
pessoas. É yakissoba com sustança! Eles ainda servem entrada (macarrão bifum e sushi), sobremesa (gelatina de duas camadas) e infusões de folhas de figo com mel ou gengibre em cachaça, tudo como cortesia!

O espaço ainda conta com pebolim, sinuca e, em uma das salas privativas para grupos, um Nintendo Wii! Sim, como nos tradicionais restaurantes japoneses, o Ville Japan tam bém tem aquelas salinhas que ficam geralmente reservadas para famílias – maior público do lugar. Dei a sorte de pegar o restaurante vazio e fazer dele todo uma sala privativa, um pequeno mundinho japonês só para mim, no meio do Jardim Marcelo. Tudo graças ao chamado dos peixes espalhados ali na avenida, facinho para todo mundo ver. Difícil agora só é dizer sayonara.

 

Point do Milho Verde

Quando decidiu abrir um negócio na periferia da Zona Norte de São Paulo, Sr. Israel fez uma viagem até Goiás. A ideia era pesquisar a culinária local para trazer alguma novidade que fosse diferente de tudo que já tinha visto no bairro que mora há 36 anos. No Largo da Parada, a maioria dos comércios são de roupas e farmácias. Mas quando ele chegou, eles não existiam. Feliz e contente, abriu, em 2003, o Point do Milho Verde. Uma espécie de restaurante-lanchonete que funciona o ano todo, independente do clima.

Mal sabia ele que, treze anos depois, o destaque do Point seria não o carro-chefe e ingrediente que dá nome ao lugar, mas o self-service de açaí com creme de cupuaçu. Creme que ele mesmo produz e se orgulha em dizer que “os concorrentes até vendem açaí na tigela, mas o esquema de self-service é uma exclusividade do Point”. A poupa é congelada e dissolvida na fábrica em Taipas, na mesma Zona Norte.

Assim como o ambiente, o cardápio também é amplo. Toda variação de um mesmo tema – o milho – está contemplada lá. As pamonhas recheadas doces, de côco e Romeu e Julieta, são as mais vendidas e custam R$ 7,00. São fofinhas, leves e têm um gosto suave, mas sem deixar a desejar na doçura. Apostas não tão tradicionais de recheio que deram muito certo na combinação.

O Point é bastante frequentado por famílias com crianças e clientes já conhecidos da casa, tem decoração toda de madeira – o que dá um clima mais rústico ao local. Nas cadeiras que ficam perto da entrada, o caos da cidade e o clima interiorano se harmonizam: você vai se sentir na beira da estrada (talvez de Goiás) e, de vez em quando, é acordado do sonho com uma buzina te lembrando que ainda é São Paulo. Os funcionários são em sua maioria mulheres, incluindo Nalva, a baiana que cozinha outro destaque da casa nas noites frias da Zona Norte: os caldos, que são colocados em cumbucas, que se mantém aquecidas sobre o fogão industrial.

Os clientes podem escolher o sabor e se servir, com direito a torradas e temperos à vontade. Os sabores vão desde feijão até o próprio caldo verde. Mas de mandioca com carne seca é o mais procurado. É saboroso, bem temperado, consistente e tomar na cumbuca pequena, que custa R$ 10,00, faz você se sentir aquecido por dentro.

 

O Mocofava

O senhor Gercino de Almeida saiu de Mulungu, cidade de Pernambuco que fica a 280 quilômetros de Recife, e veio para São Paulo com seu irmãos, José Oliveira de Almeida e Gilvan de Almeida. Eles fundaram uma das primeiras casas do norte de São Paulo, localizada na Vila Aurora, Zona Norte de São Paulo.

Em 1974, seu irmão “Zé de Almeida” fundou seu próprio bar na Vila Medeiros, que resultaria no hoje premiado e famoso Mocotó. Em 1976, o Sr. Gercino fundou o seu bar na região do Lauzane Paulista e começou a desenvolver um dos poucos lugares que vendia produtos do nordeste na região: rapadura, farinha, pimenta, fava, carne seca, entre outros. Aos poucos a Casa do Norte foi se tornando um bar e restaurante. Gercino mudou de nome, acabou virando o “Bigode” e a Casa do Norte Irmãos Almeida foi virando “Bar do Bigode”. “Isso aqui era um boteco pé sujo, mudou muito”, conta Júlio, frequentador do bar, 52 anos. O ambiente em que hoje se situa o bar é bastante amplo e fica no mesmo endereço em que o Bigode o fundou, lá em 1976. O atual dono, Anderson, filho do Bigode, conta que a cozinha do restaurante e o ambiente para os clientes era a sua própria casa. Em 2008, ele expandiu o bar e acabou tendo que utilizar os espaços de seu antigo lar para dar espaço ao sonho de continuar e crescer com o Mocofava.

Segundo Anderson, seu pai inventou a mocofava – prato que reúne o clássico caldo de mocotó com os ingredientes da favada, composta de fava, carne de sol e linguiça. Além disso, eles também são os criadores da Catubeba, uma mistura meio amarga que reúne o vinho de catuaba com o suco de jurubeba.

Para comer, vale aproveitar o prato que dá nome ao local, que possui grandes pedaços de carne de sol, de linguiça e de mocotó. Mas não deixe de provar o bolinho de carne de sol: sua massa tem uma consistência mais amolecida e o sabor da carne é bastante presente. Acompanhado do molho de ervas finas que lhe é servido no prato, o salgado acaba sendo a melhor opção para quem quer comer uma coisa rápida no bar.

Para beber, você vai encontrar uma grande variedade de cachaças de quase todos os estados da nação. A catubeba é uma boa pedida, porque, além de possuir um sabor totalmente brasileiro, sai por apenas cinco mangos. Para a sobremesa, o Rapatudo é a pedida: sorvete de rapadura, com raspas e melaço do doce sertanejo, pelo preço de 12 dinheiros. O que você acha? “É um puta de um ambiente família”, disse o Júlio, o cliente que trocou uma ideia com a gente.

Seu Gercino continua trabalhando lá, mas quem chefia todo o funcionamento do restaurante é o Anderson. Essa relação pai e filho mantém a tradição que segura um dos mais saborosos restaurantes da região. É, de fato, um puta de um ambiente família.

 

A Coxinharia

Enquanto eu pensava no meu pedido, as atendentes da Coxinharia começaram a cochichar sobre a minha presença, suspeitando que eu fosse uma dessas pessoas contratadas para avaliar o atendimento e responder questões predefinidas pelo proprietário de restaurantes – provavelmente, pelo caderninho de anotações e pela grande quantidade de perguntas que fiz para confirmar as informações do estabelecimento. Peço por recomendações, elas me sugerem um “cone misto”, que eu aceitei e esperei ficar pronto. Quando o recebi, lhes entreguei a paçoca: Não, não é cliente oculto não. Eu sou jornalista, vim pegar umas informações e tal.

Os olhos das duas cresceram e elas começaram a me entrevistar: queriam saber de onde eu era, pra quem eu trabalhava, se eu fazia faculdade, onde… Senti que o jogo tinha virado e questionei por que aquele interesse
tão grande: “A gente quer aparecer, ué!”, “Nunca saiu a gente no jornal”, “Só a loja de Pinheiros aparece, faz a matéria aqui com a gente!”

Enquanto conversávamos, o rango chegou. O que Maiara e Lara me entregam é um cone que vem com doze pequenas coxinhas de sabores variados. Experimentei a coxinha de frango, a de pizza, a de queijo, a de calabresa, a de carne e o quibe. Outros sabores estão disponíveis, como carne louca e milho, mas naquela terça-feira, bem perto do final do expediente, esses dois sabores já estavam esgotados.

As meninas me contaram que, por se localizar na avenida central do bairro Tucuruvi, a maioria dos clientes são estudantes das escolas dos arredores, afinal, o preço é firmeza e a quantidade de coxinhas é grande – além do ambiente, meio retrô, ser aconchegante para se recostar no balcão e trocar uma ideia sobre os tititis da vida escolar. Se você curtir uma opção doce, os mini-churros de doce de leite são muito saborosos, e, cobertos de açúcar, lembram aqueles bolinhos de chuva da vovó que eram fritos na hora, no final de tarde. Os mini-churros saem também pelo mesmo preço das coxinhas: R$ 4 por 12 unidades, R$ 8 por 30. A Coxinharia é um fast-food da quebrada, suas iguarias saborosas e quentinhas rapidamente estarão em suas mãos para seu deleite – ali ou no rolê. Um sucesso entre os jovens da região e com fartas porções para todas as idades, a rede Coxinharia cresce bastante. Sua primeira filial foi inaugurada, também, bem próxima do metrô Tucuruvi, na Rua dos Ferroviários. Como o negócio anda acelerado, Márcio, criador da ideia, já está expandido o negócio da quebrada para Pinheiros, região mais central da capital.

Quando eu deixei a loja e segui o caminho de casa, não só levei comigo a barriga cheia e o sabor das coxinhas na memória, mas também o sorriso que a Maiara e a Lara me deram por, finalmente, aparecerem em uma reportagem.

Publicado em janeiro/2017. Estamos trabalhando para atualizar as informações do local 🙂

Skip to content